segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Velhos...Velhos São Os Trapos...



Sentados em ramos de árvores, empoleirados em caixotes do lixo ou circulando durante todo o espectáculo, em busca do lugar com melhor visibilidade para o palco - todas as estratégias serviram, ontem à noite, para aproximar as 75 mil pessoas que acorreram ao Parque da Bela Vista do palanque onde Madonna, imperial, se apresentou em boa forma.
Mas não foi fácil. Tal como anunciado há alguns dias, o palco desta Sticky and Sweet Tour coloca Madonna, a auto-proclamada e não contestada rainha da pop, a poucos centímetros do chão, o que faz com que apenas os espectadores das primeiras filas, neste caso os membros do clube de fãs português, a consigam ver em todo o seu esplendor.



Aos restantes pagantes resta a esperança de encontrarem um bom "spot" - e as árvores e os caixotes do lixo foram realmente solução para os mais ágeis - ou a alternativa de acompanharem o concerto pelos ecrãs gigantes. Este pequeno grande pormenor tratou de imediato de arrefecer os ânimos no concerto, que à excepção das últimas sequências do espectáculo - a cigana e a rave - esteve longe de incendiar o público como há quatro anos, no Pavilhão Atlântico.
Não quer isto dizer que o espectáculo que ontem passou por Lisboa, numa noite amena de lua cheia, tenha pecado em termos cénicos ou mesmo de empenho por parte de Madonna, capaz de fazer corar de vergonha muitas das candidatas ao trono que continua a ocupar e a quem acaba por se dirigir na divertida "She's Not Me". Madonna, sabem-no todos os que encheram o Parque da Bela Vista, não tem rival à altura e é provável que, mesmo depois de desaparecer, o seu lugar permaneça inalcançável.



Acontece que quem vai a um concerto de Madonna e não está inscrito no mais exclusivo dos clubes de fãs quer, acima de tudo, duas coisas: ver a diva e ouvir "aquelas" músicas. Por "aquelas" entendam-se todos os êxitos que se absorvem no quotidiano - na rádio, na televisão ou nos anúncios - sem ter de comprar os álbuns. Ou seja, músicas que nos perseguem e não músicas que perseguimos.

Nesta digressão, além dos temas do mais recente Hard Candy , Madonna aposta em canções que não estarão entre as 10 primeiras de que nos lembramos, na sua fornada de êxitos. Em vez de "Like A Virgin" temos "You Must Love Me", com a cantora à guitarra acústica acompanhada por violinistas da sequência cigana do espectáculo; não há "Material Girl" mas há "Die Another Day", música resgatada ao filme de 2002 de James Bond e submersa em efeitos electrónicos que o sistema de som, nem sempre rigoroso, traduz de forma confusa.



A intenção é compreensível e louvável: evitar que, desde o arranque com "Hard Candy" - Madonna sentada num trono e dali a uns segundos rodeada de bailarinos, numa correria imparável e empolgante - até "Give It 2 Me", que assinala com o sinal de "Game Over" o fim do espectáculo, haja um único momento morto.
Para tal, muitas das canções são apresentadas em versões necessariamente curtas e entroncadas noutras, numa espécie de medley gigantesco, deixando o público a salivar pelos êxitos mais apetecíveis, escutados apenas de relance, e vagamente aborrecido com as novas músicas, por muita confiança que Madonna pareça depositar nelas.

O facto de, possivelmente para conservar energia num concerto sem pausas, Madonna apresentar versões mais roqueiras - tocando, inclusive, guitarra eléctrica - de canções eminentemente pop como "Borderline" terá impedido maiores erupções de entusiasmo.
A opção por um espectáculo "non stop", em que passado e presente da cantora - e da própria música pop - se cruzam num zapping frenético favorece a dinâmica do concerto, mas impede que cada momento valha por si e que a euforia se espalhe pelo imenso recinto.



Astuta como sempre, Madonna terá sentido esta relativa frieza do público e em "Into The Groove", por exemplo, conseguiu arranjar tempo para, enquanto saltava à corda, em pleno Acto Old School, pedir o apoio do público. A benesse foi-lhe concedida e o entusiasmo manteve-se mais uns segundos, com a mulher das mil máscaras a quedar-se no chão, ofegante, para lentamente se erguer, vestida de cor-de-rosa. "Hung Up"? Não, um anti-climático "Heartbeat" (ser Disco de Ouro em Portugal não implica, necessariamente, que as novas músicas estejam na ponta da língua).

Seguir-se-ia um dos momentos mais curiosos da noite: "She's Not Me", onde Madonna, de óculos de sol com lentes em forma de coração, põe as rivais no seu lugar, num misto de fragilidade (quase nenhuma) e afirmação de poder (praticamente toda). Rastejando e gatinhando pelo chão só pelo prazer de voltar a erguer-se, transitaria então para "Music" e "Rain", cenicamente um dos momentos mais interessantes da noite, com motivos orientais e uma chuva de prata no grande ecrã.
O Acto Hispânico, que obviamente não se chama assim na agenda de Madonna, foi um bom exemplo da forma como o público reagiu ao concerto: a nova "Spanish Lesson" não chegou a pegar fogo, nem com a provocação de Madonna ("Obrigado Lisboa, hablas español?"), enquanto "La Isla Bonita", em modo quase Gogol Bordello, agitou as hostes.



Todos os momentos do Acto Cigano, com um grupo de amigos de Eugene "Gogol" Hütz a dançar e tocar violino, só podiam, de resto, entusiasmar um povo nómada como o português (pela menos na forma como assiste a concertos em grandes recintos, constantemente mudando de poiso).

Depois do badalado intervalo panfletário da Sticky and Sweet Tour, com imagens de vários políticos e um apelo à intervenção social, interrompido pelo aparato de um avião da TAP prestes a aterrar na Portela, chegou o remate do concerto e, possivelmente, a sua sequência mais bem sucedida: o Acto Rave.

Talvez por contemplar músicas como "4 Minutes" (Madonna vestida de abelha-mãe futurista), "Like A Prayer", "Ray of Light" ou "Hung Up", ou talvez pelo embrulho tecno-house-rebenta-com-as-colunas reservado para o fim do concerto, o público despertou novamente para a actuação e dançou com gosto até à última gota de "Give It To Me", a cascata de sintetizadores inventada por Pharrell Williams para Madonna.



Agora de óculos à "geek", uma das mulheres mais poderosas do mundo encenou um falso final para poder, mais uma vez, banhar-se no apoio das primeiras filas e nos braços dos dançarinos, uma imensa amálgama de gente em festa, num palco prestes a despedir-se de Lisboa.
O sinal "Game Over" não deixava margem para dúvidas, mas enquanto lá atrás Madonna se esgueirava para o interior de uma limousine com escolta policial, ainda havia quem pedisse mais. No sistema de som, ficaram a tocar os Sex Pistols, com "God Save The Queen". Ela ainda é rainha, e sabe-o bem.